quinta-feira, 1 de julho de 2004

Inconsciente Coletivo
(sobre Mitos de Hollywood -abaixo)

Que ele existe é fato. Que sua recusa pode ser a recusa aos instintos inerentes ao humano; que estamos nos tornando máquinas individualizadas; que pena!
A humanidade deve reconhecer seus instintos, seus princípios, para conhecer e entender um pouco mais do mundo e do ser ao seu lado. Ao contrário disso, recusamos a voz do instinto, pois esse Deus, essa voz interior é Imperfeita. Difere do que nos ensinaram no catecismo...
Só existe o aqui e o agora. Se não vasculharmos nosso interior, como entender o Ser acima do céu? o nosso céu por dentro da carne, sangue, bile e ossos é o mesmo ou até mais interessante do que o superior.

Sem mais, ao texto.
Edu

MITOS DE HOLLYWOOD

Como a teoria do inconsciente coletivo de C. G. Jung aprimorou a psicologia hollywoodiana.


Por Luis Carlos Maciel

Revista Bravo! Dezembro/2001


O crítico de cinema da The New Yorker, Anthony Lane, cita coincidências impressionantes entre o filme Nova York Sitiada, dirigido por Edward Zwick, em 1998, com Bruce Willis e Denzel Washington, e a tragédia de 11 de setembro passado, em Nova York. Semelhanças foram notadas também entre o atentado e outras desconcertantes antecipações cinematográficas. Parece que Hollywood estava adivinhando o que ia acontecer, trazendo à tona premonições secretas do inconsciente coletivo. Quando, nos primeiros anos 30, Carl Gustav Jung apresentou ao mundo a sua idéia de um inconsciente coletivo, era improvável que alguém pudesse Ter percebido a sua utilidade para o já florescente cinema de Hollywood. Mas o desenrolar dos acontecimentos, a chamada história, haveria de torná-la evidente. Era inevitável. O inconsciente de Jung, como diz o nome, é coletivo, ou seja, está naturalmente presente nas platéias de todo o mundo. Inclui absolutamente todos os espectadores que passam pelas bilheterias.

Contemos a história do começo. Jung sustenta que, por baixo do inconsciente pessoal, descoberto por Freud em cada indivíduo, há uma parte mais fundamental da psique humana que é comum a todos os homens, em todos os tempos e lugares, uma espécie de herança psicológica comum a toda humanidade. Em 1934, ele escreve que "o inconsciente contém não apenas componentes pessoais mas também impessoais, em forma de categorias, ou arquétipos". Esses arquétipos se expressam por meio de símbolos que se manifestam nos sonhos de todos nós e nos mitos de todas as tradições culturais. Esses mitos, explica Jung, revelam a própria natureza da alma, são metáforas de nossa realidade interna mais profunda e essencial. De todos eles, o mais comum, o mais conhecido, é o mito do herói. Ele surge nas mais distantes e diferentes culturas - e todas as suas versões, embora sejam diferentes nos detalhes, são estruturalmente muito semelhantes. Obedecem a uma forma, um padrão, universais. Na Grécia clássica, em
tribos africanas ou de peles-vermelhas americanos, nos países nórdicos da Europa ou no Peru dos incas, os heróis míticos percorrem uma trajetória parecida.

Essa descoberta impressionou o norte-americano Joseph Campbell e, por intermédio dele, Jung chegaria mais perto de Hollywood. Ainda muito jovem, em fins dos anos 20, Campbell havia entrado em contato com a obra de Jung e passou a acompanhar sua trajetória intelectual. Ele haveria de se tornar célebre por ter dedicado toda a sua vida ao estudo das mitologias. Jung certamente o inspirou a assumir uma postura oposta à do estudo acadêmico convencional. A visão acadêmica se detém nas diferenças entre as mitologias e estuda os mitos em função dessas diferenças; Campbell, ao contrário, escolheu evidenciar as semelhanças, os denominadores comuns, que revelam uma espantosa unidade entre todos eles. Em 1949, ele publicou um livro intitulado O Herói de Mil Faces, cujas conseqüências foram consideráveis. Nele, mostra que cada herói adquire a face de sua cultura específica, mas sua jornada é sempre a mesma. É o mesmo herói que, segundo Campbell, vive, não muitos, mas sempre o mesmo mito, um
"monomito" - termo que ele declara ter tirado do Finnegans Wake, de James Joyce, sobre o qual publicara seu primeiro livro, A Skeleton Key to Finnegans Wake. Evidentemente, embora inspirada em Joyce, a idéia fundamental de O Herói de Mil Faces, o monomito, tem tudo a ver com o inconsciente coletivo de Jung.

Em 1983, Campbell é convidado para assistir à estréia de Star Wars, de George Lucas. O roteiro do primeiro filme da saga - como de resto de todos os outros três já produzidos e, por certo, também dos que vierem ainda a ser feitos - é inteiramente construído segundo o monomito de Campbell. Lucas lera O Herói de Mil Faces e se tornara seu fã incondicional. As diferentes etapas da jornada do herói, segundo o livro, são fielmente obedecidas nesse e em todos os filmes da saga. Milhões de pessoas, em todo o mundo, a acompanharam com devoção; as bilheterias foram algumas das maiores da história do cinema. A grande revelação do primeiro Star Wars foi de que o monomito funciona. O inconsciente coletivo é, em suma, bom para os negócios.

A revelação teve muitas conseqüências. Outros cineastas como John Boorman, Steven Spielberg, George Miller e Francis Coppola também começaram a ser influenciados por Campbell. Na verdade, Jung e Campbell chegaram a Hollywood em boa companhia. Aristóteles, Schopenhauer, Nietzsche e Hegel também já haviam ajudado o cinema a fazer dinheiro. Aristóteles foi o primeiro a explicitar a estrutura dramática; Schopenhauer e Nietzsche iluminaram a verdadeira fonte da ação dramática - a vontade; e finalmente Hegel, inspirado no velho Heráclito, apontaria no conflito o motor da realidade. O cinema de Hollywood já havia se aproveitado dessas conquistas do pensamento ocidental, comprovando a sua eficiência no processo de comunicação e, portanto, de conquista do público. Elas são o fundamento das técnicas de screenwriting - uma das invenções mais famosas do famoso know-how americano.



O SCREENWRITING TRADICIONAL JÁ FATURAVA BEM. MAS AGORA HAVIA MAIS!

No início dos anos 90, um jovem analista de histórias dos estúdios Walt Disney, de nome Christopher Vogler, escreveu um memorando interno de sete páginas, intitulado Guia Prático para o Herói de Mil Faces, e o distribuiu para os roteiristas de seu local de trabalho, como uma contribuição para uma maior eficiência dos roteiros. O sucesso foi desconcertante; em pouco tempo, a repercussão atingia os roteiristas de cinema de toda a cidade de Los Angeles que, como se sabe, não são poucos. O livro de Campbell e a adaptação que Vogler fazia dele, tornando-o útil para a elaboração de roteiros cinematográficos, viraram moda em Los Angeles. Em pouco tempo, o memorando de Vogler se tornaria um livro, intitulado A Jornada do Escritor, que seria admirado como uma bíblia do roteiro por roteiristas americanos novos e antigos.

O que fez Vogler? Muito simples. Ele ajustou o monomito de Campbell à estrutura dramática tradicional conforme ela é utilizada pelo screenwriting norte-americano. George Lucas já o havia feito na prática, mas, agora, ele formulava uma teoria e oferecia um método ao alcance de todos. A storyline do monomito é simples. O herói sai de seu ambiente familiar e seguro para se aventurar num mundo estranho e hostil - feito, por exemplo, de labirintos, cidades estranhas, outras dimensões, o que for... -, onde enfrenta um conflito de vida ou morte com um antagonista poderoso; a certa altura, parece que ele não poderá escapar à destruição, mas o herói acaba por triunfar. As etapas dessa jornada, que pode ser literal como em Star Wars ou também metafórica, são subordinadas por Vogler à estrutura tradicional de começo, meio e fim, em três atos, sintetizando assim Jung e Aristóteles, Campbell e Hegel, numa nova técnica de screenwriting.

Vogler começou a divulgar seu novo método nos estúdios Disney, na época de A Pequena Sereia e A Bela e a Fera. Daí em diante, os elementos míticos codificados por Campbell são utilizados cada vez mais sistematicamente, acabando por se tornarem determinantes, não só nos desenhos de Disney, como num número cada vez maior de filmes feitos em Hollywood, principalmente filmes "de ação" - que, em princípio, parecem mais receptivos à estrutura mítica -, mas também de outros gêneros, pois Vogler sustenta que o monomito serve a todo tipo de filme, inclusive comédias românticas.

Foi assim, portanto, que C.G. Jung chegou a Hollywood. O inconsciente coletivo e os arquétipos serviram, a princípio, apenas aos psicanalistas de orientação junguiana; depois, passaram a ser utilizados por escritores, pintores e outros artistas criadores; foram então apropriados por roteiristas que queriam fazer um trabalho mais eficiente; agora, finalmente, servem também aos executivos de poderosas empresas cinematográficas que avaliam as perspectivas de um determinado roteiro no mercado. Também aqui o critério conclusivo é o da eficiência.

É interessante notar que esse novo impulso nos negócios é dado sob a égide de um arquétipo típico de nosso tempo - o mito da eficiência. Já que a comunicação do monomito é infalível e que as maiores bilheterias são colhidas por filmes que deliberadamente lidam com o inconsciente coletivo e os arquétipos, pode-se dizer que a indústria de entretenimento mais desenvolvida dos dias de hoje tem a sua disposição ferramentas intelectuais muito poderosas. Na realidade, tão poderosas - podemos acrescentar agora - que as estamos vendo resultar em mistérios inéditos como, por exemplo, o manifesto nas recentes discussões provocadas pelas premonições cinematográficas dos eventos reais de 11 de setembro. Alguns, inclusive Robert Altman, chegaram a dizer que os terroristas teriam aprendido a agir assistindo aos filmes...

Será? Não creio. O inconsciente coletivo é a verdadeira explicação do fenômeno. Certos críticos que falam com desdém do cinema comercial de Hollywood deviam era dobrar a língua.

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