O Louco Anarquista
por Leonardo Radowitzky
Inquietado pelo conteúdo claramente irônico em relação as aspirações e
condutas marxistas de revolução contido na música de Tom Zé intitulada
"classe operária", resolvo dirigir-lhe um correio eletrônico
indagando-o sobre seus reais pensamentos ao elaborar tal obra e sobre
suas concepções políticas.
Passados exatos dois dias e já com minhas esperanças esvaídas em
desilusão, eis que recebo sua resposta com os dizeres: "Sim, se queres
mesmo saber, sou anarquista.".
Minha desconfiança estava agora concretizada em músicas, apresentações
performáticas e atitudes claramente anti-capitalistas.
Rapidamente torno a lhe escrever sobre a atual conjuntura do movimento
anarquista carioca, as ocupações urbanas, os projetos autogeridos e a
boa oportunidade que estávamos tendo de promover um encontro.
Ele me respondeu desta vez, com prontidão e entusiasmo, dizendo que
havia procurado certa vez, uma organização libertária para estar
conhecendo e apoiando, porém, sem êxito. Estaria ele vindo ao Rio
dentro de três semanas.
Na véspera do dia marcado, já ansioso, separei um livro para
presenteá-lo. "Utopia e Paixão", de Roberto Freire, psiquiatra
anarquista que disserta sobre o socialismo utópico e a paixão
despertada por e em seus ideais, sem me preocupar se ele já o havia
lido pois o pessoal da organização já tinha separado um material
interessante que com certeza lhe seria inédito.
Após recepcioná-lo na rodoviária, fomos imediatamente para o centro de
cultural onde um pequeno grupo de pessoas nos aguardava.
Tom Zé falou um pouco de sua infância pobre, de como conheceu o
anarquismo na época da ditadura logo após seu exílio na Europa, os
reais motivos de ter sido excluído do grupo da tropicália sendo
discriminado por seus ideais ácratas e sua inconformidade pelos demais
terem rendido-se as imposições estatais, das suas iniciativas de
fomentar uma contra-cultura libertária na Bahia e em São Paulo que
foram duramente reprimidas e do seu ostracismo político, retendo-se
somente ao campo artístico.
Ao terminarmos o encontro agradável, ele me questionou sobre teorias
particulares da filosofia e da história contemporâneas.
Respondi-lhe que não era tão culto ao ponto de dissertar sobre tais assuntos.
Ele então, adentrando no ônibus, levantou o indicador da mão direita e
finalizou:
"Não existe ninguém tão culto que não possa ser questionado,
Assim como ninguém tido como "inculto" que não mereça ser ouvido".
Mais informações em: dedoscruzados.blogspot.com/
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