por Devika Rao
Artigo originalmente publicado em Back to Godhead [Volta ao Supremo] – Revista fundada por Srila Prabhupada no ano de 1944
“Então, fale-me sobre você. De onde você é?”, perguntou-me o responsável pelas residências em pediatria do centro médico da Universidade de Pittsburght, onde eu estava fazendo uma entrevista para talvez conseguir uma residência.
Minha resposta começou com algo do tipo “Meus pais são do sul da Índia, e eu nasci e fui criada aqui nos Estados Unidos”.
Sua pergunta trazia implícita a idéia de que o local de onde uma pessoa vem exerce papel central na definição de sua identidade, e resumir minha identidade como indiana/americana fez com que eu me sentisse um tanto quanto desconfortável. De fato, traz-me sempre um pouco de ansiedade definir a mim mesma por um pouco indiana e um pouco americana, pois eu gostaria mesmo era de me apresentar da plataforma espiritual.
Embora tenha sido criada na América por amáveis pais indianos, eu sempre me senti diferente dos demais. Nem a escola nem minha casa davam a mim uma compreensão satisfatória de minha identidade. Eu quase entreguei-me à vida americana simplesmente para realizar pelas críticas de meus colegas minha não-americanidade. Eu posso me lembrar de quando, durante uma partida de basquete no ensino médio, um oponente gritou, “Eu marco a indiana!”. Aquele rótulo me reduziu a um mero corpo físico, todavia eu sentia diferir de todos não apenas fisicamente.
Meu estilo de vida em casa era centrado em uma atmosfera Védica, que meus pais haviam criado para mim e para meu irmão. Ensinaram-me a ler o Bhagavad-gita todas as manhãs. Eu comia apenas prasadam, e fazíamos bhajans todas as noites como uma família bem unida. Mas no instante em que eu colocava meu pé para fora de casa, eu entrava no território de uma cultura opositora, na qual meu objetivo era tornar-me tão americana quanto meus colegas de sala. Eu queria vestir-me e sentir-me uma americana, sentir-me confortável na cultura americana. Mas seria isso possível, sabendo eu que o criador era um belo menino de olhos de lótus chamado Krsna?
Quando eu deixei minha casa para entrar para a faculdade, eu me encontrei rodeada pela cultura americana. Uma vez que eu estava morando em uma república, eu não tinha uma casa com cultura védica para voltar após o dia de estudos. Esta situação, inesperadamente, criou um contexto favorável para o meu futuro desenvolvimento espiritual. Estando fora do reino de minha casa, que estava impregnada com a cultura Védica, eu comecei a investigar quão séria era a consciência de Krsna para mim; ela forneceria todas as respostas às minhas perguntas em relação à minha identidade e em relação ao propósito da vida? Eu gostava do que Srila Prabhupada oferecia como resposta a essas minhas questões:
“O objetivo desse movimento para a consciência de Krsna é despertar a consciência original do homem. No momento, nossa consciência está recebendo várias designações; uma pessoa pensa, “Eu sou um homem inglês”, e uma outra pensa, “Eu sou americana”. De fato, nós não pertencemos a nenhuma dessas designações. Somos todos partes, parcelas de Deus: essa é nossa verdadeira identidade. Se todos simplesmente chegarem a essa compreensão, todos os problemas do mundo estarão resolvidos”. - (Ciência da Auto-Realização, p. 27.)
A definição de Srila Prabhupada para identidade, baseada na relação da alma com Deus, fez-me realizar que a ansiedade pela qual eu passava era devido a eu estar definindo a mim mesma tendo como base o corpo, um corpo tanto indiano quanto americano. Prabhupada recomendou-me assumir uma consciência superior, uma consciência que me tornasse capaz de ver a mim como uma alma espiritual eterna, além de designações corpóreas. Muito embora eu estivesse presa entre dois mundos como uma indiana/americana, eu senti que a conscientização de que sou parte de Krsna, que está além de toda nacionalidade ou raça, poderia trazer-me paz.
Srila Prabhupada me instrumentalizou com uma possível solução para o meu conflito de identidade, mas eu ainda estava apreensiva quanto a como eu poderia aplicar aquele conhecimento em minha vida. Além do mais, eu havia escolhido seguir carreira no campo da medicina; eu havia me entregado a estudar o corpo para que eu pudesse tratar suas doenças. Como eu poderia solucionar o conflito entre meu eu espiritual e minha necessidade de me enquadrar na cultura americana para o sucesso de minha futura carreira?
A motivação para que eu aceitasse definitivamente a mensagem de Prabhupada veio quando li, no Srila Prabhupada-lilamrta, mais sobre a vida de Prabhupada e como a ISKCON teve início. Eu li como Prabhupada dera as mesmas respostas para vários jovens americanos que procuravam um propósito de vida superior ao que a cultura americana podia oferecer. Inúmeros jovens americanos abraçaram com toda a fé a mensagem de Srila Prabhupada nos anos 60 e 70, e eles não apenas aprenderam a teoria da consciência de Krsna – eles escolheram mudar suas consciências investindo na relação eterna que têm com Krsna. O estilo védico tornou-se o estilo de vida daqueles americanos e americanas, e, ironicamente, minha identidade como uma garota indiana foi esmagada pelas concepções corpóreas dos americanos.
Satyanarayana Dasa, um conhecido da minha família, entrou para a ISKCON na cidade de Buffalo, Nova Iorque, no ano de 1999, quando era um estudante universitário. Ele explica sua atração inicial pelo movimento Hare Krsna:
“Essa atração é um atração própria para a alma espiritual. O conhecimento de que sou eterno e nunca morro, e de que há um incrível e empolgante mundo espiritual ao qual eu pertenço. Um inconcebível mundo auto-refulgente e de beleza ímpar, no qual eu tenho relações profundas e pessoais que estão sempre se expandindo em termos de felicidade e prazer, e que são enriquecidas por um conhecimento transcendental também sempre crescente”.
Saber que a alma é eterna muda a percepção que a pessoa tem de si mesma e do mundo. O devoto sente felicidade e prazer em um mundo eterno e coerente, repleto de beleza, felicidade e conhecimento. Para muitos hippies e outras pessoas dos anos 60 e 70, não era possível, de forma alguma, rejeitar a filosofia Védica, que trazia a resposta de “Quem sou eu?” de uma maneira atrativa para pessoas de todas as nacionalidades. A aproximação de devotos de todos os berços culturais e sociais prova essa acessibilidade universal ao conhecimento Védico. Eles compreenderam o verdadeiro eu através da consciência de Krsna.
Apreciação Acadêmica
Muitos distintos acadêmicos estudaram as implicações culturais do movimento Hare Krsna, e citaram várias razões para as pessoas se atraírem pelo movimento. Em Hare Krishna, Hare Krishna: Five Distinguished Scholars on the Krishna Movement in the West [sem tradução para o português], Dr. Larry D. Shinn afirma que jovens americanos se afiliaram à ISKCON porque buscavam “sair do materialismo e de sua filosofia de auto-gratificação”. A filosofia permite à pessoa “resolver qualquer crise de identidade”, providenciando “um sentido em que a pessoa pode saber quem ela é realmente: que ela não é o corpo, mas uma alma espiritual”. A consciência de Krsna fornece uma fundamentada e acolhedora definição para identidade.
Dr. Thomas J. Hopkins explicou que:
“Toda relação para com uma deidade de compaixão, preocupação e amor, não é apenas um tipo de realidade absoluta impessoal. [...] Mas um Ser Pessoal de infinita compaixão, um ser que está preocupado com o sofrimento do mundo, apela para algo muito profundo do espírito humano. [...] Esse tipo de qualidade pessoal, parece-me ter apelo em todos os seres humanos em todas as linhas culturais.
A análise de Hopkins se aplica não apenas aos americanos, mas também aos indianos, como minha família e eu, que fizeram da América sua casa. Ambos os grupos estão atraídos pela infinita compaixão e amor que a Suprema Personalidade de Deus, Krsna, pode oferecer. O personalismo e a preocupação pelas necessidades humanas são conceitos universais, e não valores de uma cultura específica. A consciência de Krsna aponta para o mais fundamental direito humano: o direito da alma espiritual de se libertar dos grilhões da existência material e de sentir a ilimitada felicidade de amar a Deus. Tanto Shinn quanto Hopkins advogam que o aspecto pessoal da consciência de Krsna é o que ela traz de mais atrativo.
A Primeira Instrução de Krsna
Revelando nossa verdadeira identidade, a consciência de Krsna nos presenteia com a paz. Este princípio funciona hoje, e funcionou para Arjuna há cinco mil anos atrás durante a guerra de Kuruksetra, quando Arjuna entendeu sua posição eterna como servo do Senhor Krsna. Identificando-se com seus parentes e amigos, Arjuna se lamentava por ter de matar seus entes queridos para vencer a guerra. Ele falou para Krsna, “Não posso ver que bem decorreria de matar meus próprios parentes nesta batalha, tampouco posso eu, meu querido Krsna, desejar qualquer vitória, reino ou felicidade subseqüentes”. - (Bhagavad-gita 1.31)
Arjuna então aceitou a posição de discípulo de Krsna, e Krsna, como o Guru Supremo, instruiu o nobre arqueiro. Krsna disse a Arjuna que sua ansiedade tinha como origem sua identificação com seus amigos e parentes, mas que ele deveria se perceber como uma alma espiritual eterna, parte de Krsna. Krsna lhe explicou que “aquilo que penetra todo o corpo deve ser conhecido como sendo indestrutível. Ninguém pode destruir a alma imperecível”. - (Bhagavad-gita 2.17)
Este conceito é fundamental para resolver a crise de identidade de Arjuna. Após entender ser uma alma espiritual portando o corpo de um ksatriya, ele executou seu dever de guerreiro como um serviço a Krsna. Prabhupada refere-se à compreensão da diferença entre o corpo e a alma como o “ABC do conhecimento espiritual”, ou o primeiro passo para a consciência de Krsna.
O Movimento Universal de Caitanya Mahaprabhu
O movimento Hare Krsna teve início há quinhentos anos na Bengala Ocidental, quando o Senhor Krsna apareceu como Seu próprio devoto, Sri Caitanya Mahaprabhu. Seu movimento desencadeou tensões sociais entre membros de castas artificiais; Ele pregou que todos são almas espirituais com uma relação eterna com Krsna, plena de conhecimento e bem aventurança. A predição de Caitanya Mahaprabhu de que os santos nomes do Senhor Krsna seriam espalhados por todas as vilas e cidades começou a se tornar realidade quando Srila Prabhupada plantou a semente do santo nome no solo da América. Em conseqüência disso, milhares de americanos reviveram sua consciência de Krsna, enquanto vários indianos descobriram sua própria cultura. A ISKCON oferece a todos, estejam condicionados a um corpo indiano ou americano [ou brasileiro], uma bela e confortante identidade como filhos de Krsna.
Vivendo em uma cultura materialista, eu terei sempre que me esforçar para manter minha consciência de Krsna intacta, mas certamente isso é possível. Muitos devotos com corpos americanos, confiantes e maduros em relação à sua identidade espiritual, não apenas integram a sociedade americana como também contribuem enormemente para sua diversidade. Um dia, eu espero servir à missão de compaixão de Sri Caitanya Mahaprabhu, que amorosamente livra-me de minhas ansiedades. O Senhor Caitanya declarou:
janma sarthaka kari’ kara para-upakara
“Uma pessoa que tenha nascido como um ser humano em terras indianas deve fazer de sua vida um sucesso, e trabalhar para o benefício de todas as demais pessoas”.
Muito embora eu não tenha nascido na Índia, eu gostaria de tomar a instrução do Senhor Caitanya como minha vida e alma. Eu sou uma indiana/americana em contato com a filosofia de Srila Prabhupada, assim sinto-me equipada com ambas as culturas. Isto pode ser-me útil na vida espiritual. Prabhupada se referia à parceria entre Índia e América como sendo perfeita porque a Índia é o “homem deficiente” e os Estados Unidos o “homem cego”. A Índia é deficiente quando comparada aos Estados Unidos em termos de riquezas materiais e recursos tecnológicos. Mas a Índia, com sua herança Védica, pode dar a visão da consciência de Krsna para os Estados Unidos, que são cegos espiritualmente, e podem prover recursos materiais para a pregação do conhecimento acerca da realização espiritual. Sinto-me afortunada por ter tanto a visão do homem deficiente quanto os recursos do homem cego dentro de mim, o que me facilita encorporar plenamente a identidade da consciência de Krsna.
Eu sei, também, que se eu ficar em ansiedade por qualquer coisa, material ou espiritual, eu posso entrar em um templo de Radha e Krsna, sentir o aroma espiritual do incenso e da prasadam, ouvir a melodiosa música do kirtana, e sentir-me plenamente em casa.
Tradução por Bhagavan dasa (DVS)
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