“se admitirmos que o homem reverenciou desde sempre a utilidade como sendo a divindade suprema, de onde teria surgido a poesia?...
A magnífica e selvagem irracionalidade da poesia refuta-vos, sectários do útil! Foi precisamente a vontade de se libertar do útil que elevou o homem acima dele próprio...
.. o ritmo no discurso, esta força que volta a ordenar todos os átomos da frase, que força a escolher as palavras e dá nova cor ao pensamento, tornando-o mais obscuro, mais estranho, mais distante: uma utilidade supersticiosa evidentemente! Queria-se por meio do ritmo imprimir mais profundamente o desejo dos homens no cérebro dos deuses,(...)
O ritmo é uma coação, engrenda um irresistível desejo de aderir, de ceder, de fazer eco; não são apenas os pés que seguem a cadência do compasso, a alma também... provavelmente, a dos deuses fazem a mesma coisa, concluia-se! Procurava-se, desta forma, coagi-los por meio do ritmo, exercendo um poder sobre eles (...) qualquer ação tem necessidade do socorro dos espíritos.
Já alguma vez houve, no fim das contas, para a supersticiosa raça dos homens, coisa mais útil do que o ritmo? Com ele se podia tudo: ativar magicamente o trabalho; obrigar um deus a nascer, a aproximar-se, a escutar; dobrar o destino de seu capricho, aliviar a alma de qualquer coisa excessiva (fosse o medo, mania, compaixão, sede de vingança) (...) sem o verso não se era nada, com ele quase um deus; (...)
Não será divertido que os mais sérios filósofos, apesar de todo rigor que põem, por outro lado, no manejo das certezas, se apóiem ainda em sentenças de poetas para tornar suas idéias mais fortes e mais acreditáveis?”
(in “Gaia Ciência” Nietzsche)
por email de Cernov, uma amiga da região amazônica.
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