terça-feira, 10 de junho de 2008

AUSTRALIA E HAITI SÃO AQUI

Quando a fumaça vai baixando e as espessas nuvens vão se desfazendo em
nevoeiros transparentes, é possível vislumbrar o intenso vai e vem dos
interesses que se movimentam por detrás do debate da Raposa Serra do
Sol e da questão indígena em geral.

O agronegócio e seu mago soja Maggi aproveitam a maré para afirmar que
os índios tem terra demais e que as árvores de pé estorvam sim com
suas sombras indesejáveis e seus troncos comercializáveis. Trator e
soja nelas. As usinas do sul agradecem, prometendo o tsunami da cana,
como doce fel de recompensa. Os bois prometem migrar para a Amazônia,
pois não conseguem mais conviver com o vai e vem das máquinas
gigantes. Irão em procura da paz amazônica.

Setores militares, que há tempos não conseguiam aproveitar uma boa
onda, alçaram seu grito nacionalista aos céus do Brasil, jogando água
nas turbinas das multinacionais. O valente general Heleno brada aos
céus pois as fronteiras do país estão sumindo. As transnacionais, com
sua benção, estão engolindo rapidamente extensos territórios dentro do
país, e de gratificação saciam sua sede nas fontes e rios, desde o
aqüífero Guarani até as veias abertas dos igarapés da Amazônia.

Mas quem mesmo está nadando de braçada são as mineradoras. Tem pressa
em chegar à outra margem, que não é a Austrália, mas as terras
indígenas. O mundo precisa de seu minério. Suas contas bancárias,
commodities, valores nas bolsas mundiais, necessitam com urgência se
alimentar com as ricas jazidas que dormem no subsolo, seu sono
milenar. Embaixo da terra são nada, mas mãos limpas das grandes
mineradoras se transformam em valores extasiantes. É preciso sacudir o
Congresso para que aprove logo a exploração mineral em terras
indígenas, dizem seus arautos. Afinal de contas assim agiram por
ocasião da Constituinte, em 1988. Fizeram estardalhaço, acusaram deus
e o mundo, realizaram a maior campanha já feita nesse país contra os
povos indígenas e seus aliados, principalmente o Cimi. E agora voltam
à cena. Ou melhor, agem nos bastidores. Mudaram de estratégia. É
melhor jogar primeiro poeira nos olhos da opinião pública e só então
agir com mais desenvoltura e menos riscos.

Caso restarem dúvidas quanto essas manobras articuladas basta olhar as
sábias recomendações que esses interesses desfilaram na imprensa nesse
dia 5 de junho, registradas na Agência Câmara: Deputado de Roraima
pede que governo, ao invés de manter tropas no Haiti, as mantenha
aqui, no controle das terras indígenas. Por outro lado "Comissão
avalia exploração de terra indígena na Austrália". Não são notícias de
outro planeta não. Vejamos a sutileza embutida na notícia:

"Deputados da Comissão Especial de Exploração de Recursos de Terras
Indígenas (PL 1610/96) estão na Austrália para conhecer a experiência
do país na regulamentação do uso de recursos minerais em terras de
aborígenes. O presidente do colegiado, deputado Edio Lopes (PMDB-RR),
disse que já foi possível verificar que a autorização para esse tipo
de exploração depende de menos exigências do que as previstas no
projeto. "Esse processo, ao contrário do que se pensa no Brasil, é
mais simplificado. Há uma consulta da empresa interessada com um
conselho das comunidades envolvidas, que tem poder decisivo",
explicou.

De acordo com Edio Lopes, não é necessária, na Austrália, a
autorização do Congresso para a exploração mineral das terras. Os
deputados da comitiva ainda vão conversar com dirigentes de uma
empresa australiana que pratica mineração e com representantes dos
aborígenes". (Agencia Câmara, 5/06/08)

O preço e a pressão dos minérios

Os navios vão passar, carregados, já não de pau brasil , como há
quinhentos anos, mas dos minérios das terras indígenas. O mesmo roubo
com outros nomes e endereços. Vejamos algumas pérolas e
posicionamentos "O secretário de Acompanhamento e Estudos
Institucionais (órgão vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional
da Presidência da República), José Alberto Cunha Couto, afirmou nesta
quarta-feira que o País não pode prescindir das riquezas minerais
encontradas nas reservas indígenas. "As commodities estão em alta e,
se algum minério não for explorado a tempo, perderá valor no comércio
exterior", sustentou.

Não faltaram as inovadoras teses defendidas "O gerente de Divisões
Políticas Setoriais da Secretaria de Política, Estratégia e Assuntos
Internacionais do Ministério da Defesa, coronel Marinho Pereira
Rezende Filho, afirmou que a mineração em terras indígenas pode
facilitar o controle das fronteiras, o que melhoraria a segurança do
País.

Segundo ele, 90% dessas reservas localizam-se em regiões fronteiriças.
"A mineração ocasionaria o povoamento dessas localidades, o que
constitui um dos pilares da segurança", destacou. (Agencia Câmara,
4/06/08)

Enquanto isso nós estamos aqui dando milho aos pombos. Ou melhor às
voltas com a subida dos juros, a disparada da inflação e subida ( ou
sumiço) dos alimentos, vendo nossos irmãos Guarani gritando pela
chegada da cesta básica "tem crianças aqui já vomitando de fome...não
temos nada de comida para dar a elas" exclama dona Tereza, da Terra
Indígena Ceroi, no município de Guia Lopes da Laguna-MS.

Daqui há pouco as comunidades Kaiowá Guarani estarão se movimentando
para mais um momento de busca de respostas para sua situação extrema,
de morte silenciosa, de genocídio. Estarão realizando mais uma Aty
Guasu, Grande Assembléia. Até quando tardarão as respostas eficazes de
devolução e garantia de suas terras?

Egon Heck

Cimi MS

Dourados, 6 de junho de 2008

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