sexta-feira, 4 de abril de 2008

CPI da desnutrição infantil indígena ao Mato

CIMI, 31-01-2007


Quem foi à Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul no dia 28 de março
pôde presenciar mais um triste capítulo da novela "faz de conta", que vai ao
ar para desfocar as questões crucias do genocídio Kaiowá Guarani: terra e
violência.

Numa realidade de 62 assassinatos no ano de 2007, onde a criação de gado e a
plantação de soja e cana reinam absolutos, inclusive nas terras tradicionais
desse povo indígena, até parecia que os deputados tinham errado o endereço.
O objeto da CPI era investigar as causas das mortes das crianças indígenas
Kaiowá Guarani.

Das quatro pessoas anunciadas para prestarem depoimentos, apenas o
representante da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) foi ouvido. Charles
Pessoa, procurador da República em Dourados, não foi ouvido, aparecendo por
volta das 11h e 30 minutos quando a sessão estava sendo encerrada. "Fui
convocado para depor à tarde. Por isso havia assumido compromisso de uma
audiência com o governador do Estado", esclareceu o procurador.

Era o desfecho pífio de uma CPI, que já nascera "sem sentido", na opinião do
Deputado Biffi, pois o objeto das mesmas "crianças Kaiowá Guarani
desnutridas", já não mais existia. O presidente e o relator da CPI já haviam
retornado a Brasília, conforme noticiou a imprensa local (Campo Grande News
).

Dr. Zelick, combativo e competente funcionário da saúde indígena, se esmerou
em explicar questões já sobejamente conhecidas, de perguntas repetitivas,
vindas no bojo de interesses políticos e não os de objeto da CPI. Procurou
demonstrar as substanciais melhoras da situação de saúde das crianças
indígenas, graças a medidas técnicas eficazes. "Se existem problemas no
funcionamento da saúde indígena, deve ser em outros lugares, na Amazônia, no
Maranhão...", pois a aqui no Mato Grosso do Sul, onde a conveniada Missão
Caiouá tem uma receita de 11 milhões de reais e mantém mais de 600
funcionários no quadro da saúde indígena, tudo está funcionando bem".

Porém, foi irônico e taxativo ao afirmar que "cada vez que a gente mistura
questões partidárias as conseqüências são trágicas". Exemplificou dizendo
que não se pode nomear para a saúde indígena quem apenas conhece índios por
filmes de Bang Bang americanos. E terminou dizendo "Deixem a gente fazer
saúde indígena, independente de partido".

Abobrinhas e bodes expiatórios

A sessão teve lances hilariantes. O deputado Valdir Neves, que apenas
apareceu tempos depois do início da sessão, começou a repetir questões que
já haviam sido feitas e respondidas. A presidência da mesa o advertiu
dizendo que essas questões já haviam sido feitas. Mas ele insistiu que
queria ouvir de viva voz a posição do depoente.

E lá foram sendo repetidas ladainhas, que de resto, já são de amplo
conhecimento. Na verdade o que se buscava eram podes expiatórios para uma
situação cujo obvio ululante era não tocar na questão central, na causa
principal, que é a não demarcação e garantia das terras indígenas. Basta
lembrar das iniciativas de parlamentares presentes que são obstáculos que
dificultam ainda mais o já moroso processo de regularização das terras
indígenas.

Sempre é bom lembrar que estamos em tempos eleitorais. Tempo em que
palanques são necessários para se alcançar resultados almejados.

E para afirmar seu grande apreço e empenho em resolver a questão crucial dos
povos indígenas, foram afirmadas as verbas conseguidas para se construir a
primeira Vila Olímpica em Terra Indígena nas Américas. Será construída na
Terra Indígena de Dourados. Já diziam os sábios da antiguidade, poderão
ficar sem pão, mas não sem circo.

Terra e eternidade

Enquanto isso os Kaiowá Guarani continuam ansiosamente aguardando o
reconhecimento, demarcação e garantia de suas terras. Cada dia que passa
parece uma eternidade. Violências e mortes são noticiadas diariamente. A
situação das aldeias é de total dependência da cesta básica e do trabalho
escravo nas usinas.

A pergunta que se poderia fazer é, porque ao invés de se convocar uma CPI
que sobejamente muito pouco poderá trazer para minorar o enorme sofrimento
desse povo, não se convoca uma CPI para saber o porque não se está
demarcando as terras indígenas no Mato Grosso do Sul, que já deveriam estar
demarcadas há 30 anos conforme determinação da Lei 6001 – Estatuto do Índio,
e há 20 anos, conforme as disposições transitórias da Constituição Federal.

Quantos Kaiowá Guarani terão ainda que partir para a eternidade, sem verem
seu sonho maior, sua terra tradicional, demarcada?

Desde o inicio de o final de 2004, quando iniciou um aumento expressivo de
mortes de crianças Kaiowá Guarani, por desnutrição, chegando a várias
dezenas, já foram realizadas instituídas duas Comissões especiais e duas
CPI, em nível federal e estadual. Por que até hoje nada foi feito para
enfrentar a causa principal que é a não demarcação das terras indígenas
desse povo?

Até o final de março a Funai se comprometeu a colocar Grupos de Trabalho
para identificar as terras Kaiowá Guarani. Amanhã expira o prazo. Haverá
amanhã, "terra sem males"? Neste ano lembramos os 25 anos do
assassinato de Marçal
de Souza – Tupã'y, 25 anos de impunidade, uma eternidade, e a comunidade em
que ele foi assassinado Nhanderu Marangatu, ainda continua sem poder estar
em sua terra.

Leia mais.

Subnutrição de crianças indígenas é conseqüência da falta de
terras
http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=12829

Desaldeados. A face cruel do abandono dos índios Guarani-Kaiowá no
MS
http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=12200

A superexploração dos canavais utiliza-se cada vez mais de mão-de-obra
indígena
http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=12076

O holocausto Guarani. 'Está em curso um processo de genocídio desse povo'.
Entrevista especial com Egon
Heck
http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=10776

'Centenas de guarani-caiovás morrem por desnutrição, assassinato, suicídio,
senhor ministro'. Carta de Egon
Eck
http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=5264
'Não conseguiram destruir nossa raiz'. Entrevista especial com Egon
Heck
http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=11933

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