Em entrevista ao Brasil de Fato, o historiador cubano Ariel Dacal relata que os setores pró-capitalistas estão enfraquecidos na sociedade cubana e critica aqueles que prevêem a adoção do modelo chinês por Cuba: "A criação social anticapitalista tem muitas outras opções e caminhos", afirma.
Jorge Pereira Filho,
da redação
"Ilha de Fidel Castro". "Ditador insaciável". "Megalomaníaco". Essas são algumas das expressões usadas e repetidas pelos meios de comunicação conservadores para tratar, "imparcialmente", a decisão do presidente cubano, Fidel Castro, de rejeitar uma indicação à reeleição pelo Parlamento, no domingo (24).
Enquanto o Jornal da Globo "lembrava" que os militares se sentiam ameaçados pela influência de Fidel e essa foi uma das justificativas para o golpe de 1964, a notícia de sua renúncia provocou comoção em Cuba. Em entrevista ao Brasil de Fato, o historiador cubano Ariel Dacal, morador de Havana, comenta que nesses momentos tende-se até a exagerar os feitos de Fidel. Mas não hesita em dizer: "É certo que o sistema cubano se personalizou muito em sua figura, mas isso – desde um ponto de vista histórico – está muito distante da noção de ditadura não só do povo cubano, mas também dos povos da América".
Ariel acompanha e participa do processo de discussões abertos pelo próprio governo em julho de 2007 para a população apontar e propor soluções a seus problemas cotidianos. Para ele, um aspecto positivo foi justamente o enfraquecimento de um discurso capitalista. "Apagou-se o discurso pró-capitalista que, durante algum tempo, parecia a única possibilidade de visão oposta", avalia.
Mas ao contrário do que ocorre nos bairros cubanos, a voz que prevalece na mídia corporativa é a de que, em Cuba, o povo quer o fim do socialismo e Raúl Castro trabalhará por um modelo econômico próximo ao chinês. Dacal comenta: "O problema dos que promovem essa visão, fora do Brasil ou em outros lugares, é a limitação em entender ou compreender que a criação social anticapitalista tem muitas outras opções e caminhos que vão além do modelo chinês". Leia a íntegra da entrevista abaixo.
Brasil de Fato - Como a população cubana reagiu ao anúncio de Fidel Castro?
Ariel Dacal - Em sua mensagem, Fidel comentou que já em cartas anteriores havia anunciado a possibilidade de que não se reelegeria. Sabia que era necessário preparar o povo psicologicamente. E agiu corretamente. O impacto entre os cubanos foi emotivo. As pessoas, o povo em geral, sentiram as notícias. Mas ao mesmo tempo se esperava, era uma das alternativas já em vista para a maioria dos cubanos e cubanas e seria o mais positivo dado o estado de saúde de Fidel. É quase um consenso entre o povo aceitar que foi uma saída "elegante", muito bem decidida e que apenas exalta a estatura moral e história de Fidel. Em momentos como este, no qual a emoção pesa mais que a racionalidade, faz-se uma leitura muito positiva da obra de toda vida de Fidel.
A mídia corporativa explorou expressões como "mão dura", "ilha de Fidel Castro", "ditador que quase provocou a terceira guerra mundial... O povo cubano vê em Fidel um ditador?
Não creio que o povo o veja como um ditador. Tudo depende do significado de quem tem as palavras e para quem as usa. Para o povo cubano, desde a consciência cotidiana, os ditadores são assassinos que instalam regimes de terror onde milhares de pessoas perdem a vida. Recorde-se que foi precisamente a Revolução Cubana que derrotou um regime ditatorial que tinha essas características, um dos primeiros ensaios do imperialismo yanqui que depois se expandiu por todo o continente. A obra encabeçada por Fidel é o contrário disso. Deu educação, saúde, elevou o orgulho nacional onde nunca esteve antes, foi uma referência de soberania e respeito à vida humana. É certo que o sistema cubano se personalizou muito em sua figura, mas isso – desde um ponto de vista histórico – está muito distante da noção de ditadura não só do povo cubano, como também dos povos da América.
A mídia também tem divulgado que Raúl Castro seria mais inclinado a promover transformações em Cuba sob inspiração dos modelos de China e do Vietnam...
Essa idéia está dentro da ampla margem de possibilidades de mudança em Cuba. Mas na realidade não há sinais de que estamos seguindo nessas direção ou em outra, neste momento. O problema dos que promovem essa visão, fora do Brasil ou em outros lugares, é a limitação em entender ou compreender que a criação social anticapitalista tem muitas outras opções e caminhos que vão além do modelo chinês que, diga-se de passagem, não tem nada de anticapitalista. Ignoram que a criação humana coletiva tem muito mais possibilidades do que as leituras positivistas e se reduzem a elas.
Desde julho de 2007, Raúl Castro incentivou um debate nacional sobre os problemas dos cubanos. Existe vontade popular de retorno ao capitalismo?
Em Cuba, não se discute o retorno ao capitalismo. Na realidade, o processo de discussão em que o país está metido mostra um apoio ao socialismo. Uma das características mais interessantes de todos esses meses, quase um ano, de debates de idéias, é justamente que se apagou o discurso pró-capitalista que, durante algum tempo, parecia a única possibilidade de visão oposta. Claro, outra coisa seria discutir "de que socialismo estamos falando", ou seja, a qualidade desse socialismo que, em algumas ocasiões – e não com más intenções –, reproduz imaginários e projeções nominalmente socialistas, mas muito contraditórias e que carregavam consigo a orelha peluda do liberalismo.
-> Leia a íntegra da entrevista
-> Leia o Especial Cuba
Boletim Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br
Wikipedia.org/Fidel_Castro
Fidel Castro sai de cena, em PortugalDiário.pt
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