sábado, 21 de novembro de 2009

Carta aberta ao presidente Lula e ao povo brasileiro - Cesari Battisti

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Carta aberta ao presidente Lula e ao povo brasileiro


Cesari Battisti
AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR
LUIS INÁCIO LULA DA SILVA
PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
SUPREMO MAGISTRADO DA NAÇÃO BRASILEIRA

AO POVO BRASILEIRO

“Trinta anos mudam muitas coisas na vida dos homens, e às vezes fazem uma vida toda”. (O homem em revolta –Albert Camus)

Se olharmos um pouco nosso passado a partir de um ponto de vista histórico, quantos entre nós, podem sinceramente dizer que nunca desejou afirmar a própria humanidade, de desenvolvê-la em todos os seus aspectos em uma ampla liberdade. Poucos. Pouquíssimos são os homens e mulheres de minha geração que não sonharam com um mundo diferente, mais justo.

Entretanto, freqüentemente, por pura curiosidade ou circunstâncias, somente alguns decidiram lançar-se na luta, sacrificando a própria vida.

A minha história pessoal é notoriamente bastante conhecida para voltar de novo sobre as reações da escolha que me levou à luta armada. Apenas sei que éramos milhares, e que alguns morreram, outros estão presos, e muitos exilados.

Sabíamos que podia acabar assim. Quantos foram os exemplos de revolução que faliram e que a história já nos havia revelado? Ainda assim, recomeçamos, erramos e até perdemos. Não tudo! Os sonhos continuam!

Muitas conquistas sociais que hoje os italianos estão usufruindo foram conquistadas graças ao sangue derramado por esses companheiros da utopia. Eu sou fruto desses anos 70, assim como muitos outros aqui no Brasil, inclusive muitos companheiros que hoje são responsáveis pelos destinos do povo brasileiro. Eu na verdade não perdi nada, porque não lutei por algo que podia levar comigo. Mas agora, detido aqui no Brasil não posso aceitar a humilhação de ser tratado de criminoso comum.

Por isso, frente à surpreendente obstinação de alguns ministros do STF que não querem ver o que era realmente a Itália dos anos 70, que me negam a intenção de meus atos; que fecharam os olhos frente à total falta de provas técnicas de minha culpabilidade referente aos quatro homicídios a mim atribuídos; não reconhecem a revelia do meu julgamento; a prescrição e quem sabem qual outro impedimento à extradição.

Além de tudo, é surpreendente e absurdo, que a Itália tenha me condenado por ativismo político e no Brasil alguns poucos teimam em me extraditar com base em envolvimento em crime comum. É um absurdo, principalmente por ter recebido do Governo Brasileiro a condição de refugiado, decisão à qual serei eternamente grato.

E frente ao fato das enormes dificuldades de ganhar essa batalha contra o poderoso governo italiano, o qual usou de todos os argumentos, ferramentas e armas, não me resta outra alternativa a não ser desde agora entrar em “GREVE DE FOME TOTAL”, com o objetivo de que me sejam concedidos os direitos estabelecidos no estatuto do refugiado e preso político. Espero com isso impedir, num último ato de desespero, esta extradição, que para mim equivale a uma pena de morte.

Sempre lutei pela vida, mas se é para morrer, eu estou pronto, mas, nunca pela mão dos meus carrascos. Aqui neste país, no Brasil, continuarei minha luta até o fim, e, embora cansado, jamais vou desistir de lutar pela verdade. A verdade que alguns insistem em não querer ver, e este é o pior dos cegos, aquele que não quer ver.

Findo esta carta, agradecendo aos companheiros que desde o início da minha luta jamais me abandonaram e da mesma foram agradeço àqueles que chegaram de última hora, mas, que tem a mesma importância daqueles que estão ao meu lado desde o princípio de tudo. A vocês os meus sinceros agradecimentos. E como última sugestão eu recomendo que vocês continuem lutando pelos seus ideais, pelas suas convicções. Vale a pena!

Espero que o legado daqueles que tombaram no front da batalha não fique em vão. Podemos até perder uma batalha, mas tenho convicção de que a vitória nesta guerra está reservada aos que lutam pela generosa causa da justiça e da liberdade.

Entrego minha vida nas mãos de Vossa Excelência e do Povo Brasileiro.

Brasília, 13 de novembro de 2009

Cesari Battisti

DE: ___________________
 
PARA OS SRS. MINISTROS:
CARLOS BRITTO (gcarlosbritto@stf.gov.br)
CELSO DE MELLO (mcelso@stf.gov.br)
CEZAR PELUSO (carlak@stf.gov.br, macpeluso@stf.gov.br)
DIAS TOFFOLI (gabmtoffoli@stf.jus.br)
ELLEN GRACIE (ellengracie@stf.gov.br)
GILMAR MENDES (mgilmar@stf.gov.br)
RICARDO LEWANDOWSKI (gabinete-lewandowski@stf.gov.br)
 
C/C DOS SRS. MINISTROS:
CARMEM LÚCIA (clarocha@stf.gov.br,anavt@stf.gov.br)
EROS GRAU (egrau@stf.gov.br, gaberosgrau@stf.gov.br)
JOAQUIM BARBOSA (mjbarbosa@stf.gov.br, gabminjoaquim@stf.gov.br)
MARCO AURÉLIO DE MELLO (mmarco@stf.gov.br, marcoaurelio@stf.gov.br)
 
EM: 16/11/2009
 
 
Prezado Senhor(a) Ministro(a):
 
Sou apenas um cidadão brasileiro -- um daqueles sujeitos na esquina que, como já foi dito, não detêm doutos conhecimentos para meter o bedelho na augusta discussão de assuntos jurídicos, só servindo para pagar os impostos que sustentam as sapientes cortes.
 
Mesmo assim, acredito ter algo relevante a dizer sobre o pedido de extradição do escritor italiano Cesare Battisti; e o farei, correndo o risco de ser achincalhado em excelsas declarações à imprensa.
 
É que, na esquina, estou bem próximo do povo sofrido deste país. E sei que, por mais que tentem incutir-nos rancor e ânimo vingativo, os brasileiros continuamos, no fundo de nossa alma, generosos e compassivos.
 
Somos conhecidos e estimados no mundo inteiro por nossa cordialidade. E fizemos por merecer esta boa imagem, acolhendo em nosso território, sem preconceitos e mesquinharias, os estrangeiros que aqui vieram para construir uma nova vida ou para escapar de perseguições que sofriam.
 
Nunca discriminamos ninguém, nem mesmo ditadores e torturadores. Talvez porque, como cristãos que a maioria de nós somos, não nos sentíssemos sem pecado para atirar a primeira pedra em outros pecadores.
 
Então, muito me surpreende que os Senhores, por ação ou omissão, estejam prestes a mudar nossa tradição, que é e sempre foi humanitária.
 
Pior: num caso em que até um mísero sujeito na esquina como eu percebe haver enormes dúvidas. Aliás, até vossas votações de luminares têm ficado bem longe da unanimidade.
 
Nós, os humildes, sabemos qual é o lado em que a corda sempre arrebenta, então aprendemos a desconfiar das razões de Estado. Quando vemos os poderosos moverem uma perseguição tão encarniçada contra alguém, desconfiamos que não seja por espírito de Justiça - pois, para os senhores do mundo, esta é sempre a última das motivações.
 
Então, a prepotência com que a Itália tenta impor sua vontade ao Brasil, forçando-nos a fazer o que nunca fizemos nem é de nosso feitio fazer, sinceramente nos ofende.
 
Mais ainda quando percebemos que Cesare Battisti pode ter sido vítima de um julgamento de cartas marcadas, como os que ocorriam nas ditaduras que aqui existiram no século passado, para nossa imensa vergonha.
 
Também nos parece imensamente injusto causar sofrimento a um ser humano por acontecimentos obscuros de mais de trinta anos atrás. Nosso senso comum nos faz concluir que tais delitos já estejam prescritos, pouco nos importando as filigranas jurídicas com que se tente dilatar o tempo das punições.
 
Um de nossos grandes artistas disse: "Você que inventou o pecado, esqueceu-se de inventar o perdão". E é por dizer coisas como esta que conquistou o respeito e a admiração da gente brasileira. Pensem nisso, Srs. ministros.
 
Battisti vem sendo, há muito tempo, um indivíduo pacato e produtivo. Nada tem feito que inspire receios quanto a suas ações, caso os Srs. lhe devolvam a liberdade, para residir e trabalhar no Brasil.
 
Então, entre acusações duvidosas, pressões arrogantes de um governo desmoralizado e a certeza de que será um cidadão que nenhum mal nos causará, nós, os sujeitos na esquina, não temos dúvidas em pedir-lhes que confirmem o refúgio já concedido a Cesare Battisti.
 
E, sem abusar da vossa paciência, suplicamos: façam-no o quanto antes, pois nunca se sabe quanto um indivíduo resistirá a uma greve de fome.
 
Já nos basta suportar o opróbrio da entrega de Olga Benário para a morte nos cárceres nazistas. Não tomem, em nosso nome, uma decisão que muito provavelmente causará a morte de Cesare Battisti no país que ele escolheu para viver.
 
Pois, não há motivo para descrermos de sua afirmação de que preferirá morrer entre nós do que servir de troféu para seus carrascos da Itália.
 
E por ser um caso de vida ou morte, nós vos rogamos, Srs. Ministros: coloquem seus sentimentos à frente da vaidade, não se vexando de mudarem votos que se comprovaram incorretos nem de alterarem decisões que vos faria passarem à História como omissos e indiferentes ao destino de um injustiçado.
 
Os que forem cristãos, levem em conta que a vaidade é um pecado capital. E os demais, que a compaixão e o amor ao próximo são um ensinamento comum da maioria das religiões.
 
É o que vos tenho a dizer, Srs. Ministros, na esperança de que lhes sirvam de algo as ponderações de um sujeito na esquina – humilde, sim, mas que acredita ser dotado do espírito de justiça inerente, segundo Platão, a todo ser humano.
 
E é em nome do espírito de Justiça que deixo esta palavra final: salvem a vida e restituam a liberdade de Cesare Battisti! Ele já sofreu demais e merece viver em paz.
 
Respeitosamente,
 
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