21 - 02 - 2003
Carnaval - Revolução - BH - 2004
Quase que não chego no sabado pois, tendo esgotado a passagem para o ônibus da tarde, deveria pegar o das 23 horas, o que me faria chegar em BH lá pelas 4 ou 5 horas de domingo, 1º dia do evento . obs: Fomos eu e meu companheiro de banda, Carlos D.
Ao chegarmos na Rodoviária fomos logo perguntando aos dali como chegavamos na Rua Paraná. A recepcionista, muito simpática por sinal, nos advertiu que aquele pedaço tem alto índice de assalto (e eu com um equip. de mais de R$ 1000). Nos sentindo os fodões, e com o mapa da cidade nas mãos, saímos pela cidade desconhecida. Mais uns dois transeuntes nos advertiram da insegurança local e, quando iamos parar debaixo de um viaduto - assalto certo - um cara ofereceu ajuda. Dispensamos.
_ Tomara que sejam assaltados! Bradou o homem. E foi em direção a rodô.
Chegamos ao Hotel depois de fazer um contorno na praça, andando uns 200 m a mais para fugir de estranhos debaixo de uma marquize no caminho mais curto.
Nos apresentamos na portaria e fomos levados ao terraço por um morador (que dias depois se mostrou um homem feminino). O pessoal da organização havia acabado de sair mas achamos umas pessoinhas lá no terraço...
a partir de agora vou tentar passar para a primeira pessoa.
...vim a saber que eram pessoas da organização que vieram de outras cidades como RJ (CMI), sampa(Radio Muda), Goiania (CMI).
Os caras se mostraram um tanto quanto antipáticos, mais do que esperaria.
Pô! já tava revoltado com o terror que me colocaram desde que cheguei na cidade, encontro uns caras e duas minas que, à princípio, se mostram pouco sociáveis...
Ah! Chegaram, nesse interim, os dois casais mais bizarros do CR. As duas lésbicas LINDAS e; o gigante infantil de Niterói e a duende de Petrópolis.
Daí foi só ouvir mais um beck e catar um canto p/ dormir.
ZZZZZZZZZZZZZZZZZ!!!!!!!!
Domingo: 1º dia do Carnaval Revolução
O dia começa tumultuado, as coisas não saem como o planejado. Ônibus de sampa chegando, bandas e palestrantes cancelando na hora, quase todos os eventos trocam de horário, repressão interna pois os organizadores são SXE.
As pessoas, principalmente os belorizontinos pareceram não muito amigáveis mesmo.
Aqui tem gente de todo lugar, de nativos a espanhóis, angolanos etc.
Eu tinha feito um roteiro que foi impossivel se seguir. Acabei me infiltrando na Radio Carnaval Revolução, a 'coisinha' que mais deu certo no CR. Eu não saía de lá e tive meus momentos de DJ, entrevistador, debatedor, jornalista, comentarista e, entrevistado, pois foi tocado praticamente todo o CD do Sensorial Estereo enquanto eu e Carlos D falavamos sobre a banda e a cena no RJ.
Barzinho de noite e uma andada a procura de locais apropriados para a prática do grafite e ... sono.
Segunda- feira, penúltimo dia do evento:
Após umas três horas de sono, me levanto com o chamado dos sobreviventes do primeiro dia de Carnaval Revolução. Hoje consegui executar meu roteiro. A Capoeira logo de manhã mudou a minha visão do CR e deu um gás pra eu praticar mais essa arte. Estou todo quebrado (e bronzeado).
Participei de oficinas muito legais: Edição de audio (CMI), onde aprendi um pouco mais sobre Linux e streamming; fizemos, eu e mais três garotas, uma matéria como exercício: entrevistamos um organizador e um cara que passava por lá; Pedagogia Libertária (UFRJ), um pouco do histórico dessa atividade no mundo e no Brasil e propostas de execução nos dias de hoje, como escolas comunitárias, MST etc. Tive que sair antes do fim pois queria aproveitar algo da oficina de Serigrafia: Debaixo de um barulho infernal de uma banda de Rap - acho que cubana - e cheio de dor de cabeça, aguentei o que pude mais tive que ir tomar um banho para relaxar.
Saí para comer algo na rua pois lá só tinha comida Vegan. Os salgados eram frios na maioria das vezes. Tinhamos que fugir para a padaria -baratíssima em comparação com as daqui.
Nessa hora a chuva castigava BH. As ultimas bandas do dia ficaram sem tocar pois o terraço virou uma piscina.
à noite, e com a chuva menos densa, rolou uma festinha do pessoal da TEMP (SP) numa boate na cidade. Foi legal. Bebi umas cerva e não peguei ninguém, apenas conversei um tempão com a M.A, pouco antes de sairmos juntos eu, ela, Renato (SP), as meninas de Petrópolis (o casal mais bonito do mundo) e mais um maluco.
De volta ao hotel, já não tinha como dormir no terraço (unico lugar a se dormir de graça) e tive que ir me virando deitando em qualquer canto nos corredores do Hotel. Pulei para uns três lugares diferentes. Noite mal dormida.
obs: Assisti alguns videos na sessão Carnaval Carnaval. Um deles era um carneiro sendo dissecado vivo, mostrando a crueldade humana para com os animais indefesos.
Terça- feira- ultimo dia do Carnaval Revolução:
Dificuldades para dormir, terraço - dormitório - alagado, ressaca e indisposição - falta de energia - para outra maratona de debates, bandas e afins.
Palestra sobre Drogas onde a palestrante me fez não me sentir culpado por ter tomado o café dela. Gostei da palestrante e do assunto tratado. O que é e o que não é droga, coisas sobre se cuidar para não adquirir doenças quem divide canudos ou agulhas ("o melhor é ter o seu"), grupo de Recife que tem uma espécie de AA dos maconheiros, toda substancia ingerida provoca uma reação corporal etc
Fiz a oficina de Teatro: que desbloqueou-me e fez meu coração quase pular de tanto que batia devido aos exercicios. O Carlos participou dessa comigo, chegou já havia começado. Fizemos uns exercicios que me remeteram à Soma. Fizemos uma esquete que o pessoal que assistiu gostou. Tudo no improviso. Pena não terem filmado.
Agora é hora de se preparar para o bloco que fecha o Carnaval Revolução. Nem tomei banho, deixo para depois do bloco. Pego meu tamborim e meu triângulo e saio com Carlos e mais o Pedro (menino gigante niteroiense): Uma figura de uns dois metros de altura, que deve ter uns quinze anos e se veste como tal. Tem Black Power e usa unha pintada igual ao Ozzy.
Lá embaixo dizem que o pessoal já saiu, para uma praça qualquer que não sabíamos onde era. Perguntei para dois casais se eles sabiam para onde o pessoal tinha ido e eles disseram que iam para lá. Fomos seguindo eles uns dez minutos e, depois de varias batidas em bancas de jornal, uns tapas e muita desinformação para onde estávamos indo, decidimos dizer tchau para eles e procurar o caminho nós mesmos (agora penso o que teria acontecido se tivessemos seguido eles até o pastelzinho que iriam comer que era proximo da praça que eles achavam que o pessoal tinha ido se encontrar para sair com o bloco). Direção oposta.
Voltamos em direção ao hotel e, perguntando a transeuntes se viram um grupo com latas na mão. Para lá! para ali!... Acabamos dando na praça à uns 100 metros do Hotel, no sentido contrario ao que saimos e que nos fez gastar sola da chinelo à toa.
Assim que chegávamos o pessoal já ia saindo da praça. Tivemos que nos apressar para sair junto com eles. Eram mais de duzentas pessoas, entre o pessoal que havia estado no Carnaval Revolução nos ultimos três dias e pessoas dali.
O bloco saiu da praça e caminhou em direção à Rua Paraná. De repente, mandaram parar o bloco. Não sabia o que acontecia. Até então eu estava ali para me divertir num bloco anti- carnavalesco. Sem entender o motivo, voltei com as inumeras pessoas para a praça, foi quando vi um policial à frente do bloco e as pessoas gritando de alegria. Pensei: Que legal! um policial vai nos 'segurar' durante a caminhada do bloco.
Me enganei. O que as pessoas gritavam era para o policial soltar o menino que ele segurava pela gola da blusa.
A rua Paraná foi praticamente fechada pela confusão.
Correria, carros de policia chegando de tudo que é lado, cassetetes e fuzis à mostra, pontapés, socos, empurrões.
Cinco presos, incluindo o menor.
Agora, a minha versão depois que percebi o que acontecia realmente:
A concentração na praça fez com que o policial prendesse o menor por estar portando duas latas de grafite. Não sei se ele pegou o moleque pixando ou o que foi. Sei que o dono das latas não era ele e sim um punk local que dispensou as latas assim que viu os policiais (eram dois na praça). O menor pegou as latas e sofreu a consequencia, sendo levado para a delegacia pelo policial - essa era a hora que cheguei com meus amigos na praça.
O povo não achou correto o menino ser levado e partiu pra cima do policial com o intuito deste não levar o menino. Pelo que percebi nessa hora, era tudo verbalmente. O policial se assustou. Puxou a arma. A confusão foi formada.
O reforço chegou e, sim, já chegaram para arrasar. Eles foram mais violentos do que precisava. Tenho certeza que acharam que tratavam com arruaceiros. Talvez teria sido menos violento se algumas pessoa não tivessem descontado sua raiva num policial (só o vi caido detrás dum carro e sendo pisoteado). Era muita confusão. Não sou capaz de dizer com certeza quem foi que começou mas, com certeza, a policia exagerou. Prenderam uma moça só porque jogou um boneco de papelão em cima do capô do carro de policia (nesse momento acho que ainda não tinham mais do que três carros). Eles arrastavam a moça como se fosse o pior dos bandidos. E quem ousasse se meter levava empurrões, cassetadas etc. Nessa hora vi uma senhora belorizontina jogar um pedaço de pau nas costas do policial que arrastava a moça.
Várias vezes me vi sendo pego por policiais, só por estar por ali por perto.
Dois micro-ônibus da policia chegaram, levaram mais um jovem: O que agrediu um policial por este ter agredido uma outra moça quando esta duvidou ele lhe dar um tiro (me disseram que o policial apontou realmente a arma para ela). O rapaz a conhecia e tomou as dores.
É claro que os integrantes do "bloco" se tornaram algo em torno de cinquenta pessoas, entre os que chegaram depois do tumulto, policiais (uns trinta) etc. Essa minha conta pode estar errada mais a proporção é essa aí.
Poderia estar difamando os policiais e tratar os 'manifestantes' como bonzinhos, mas estou tentando ser o mais justo possivel. Os manifestantes não deveriam em hipotese alguma ter respondido as agressões desnecessárias e, principalmente, à chegada carnavalesca da policia, deviam todos parar e não manter o ambiente tumultuado, pois era isso que a policia queria. Já esperava desde o primeiro dia do evento. Era o que faltava para dar um pouquinho de ação a eles que trabalhavam em pleno carnaval.
A policia errou por achar que se tratavam de pessoas perigosas e chegarem daquele jeito. Só não saiu tiro porque eram pessoas de bem que só queriam se divertir e não concordaram com a prisão do menor.
Daí fui até a porta da Delegacia da Policia Civil com os trinta que não correram quando a policia chegou (lembra da moça que conversei lá na boate? ela é que foi presa). Em clima de manifestação nos sentamos na rua. Carros de policia chegaram e dessa vez fui 'tocado' por um policial, que me levantou do chão e me colocou de pé com um só movimento de seus pesados braços. Cassetete na cabeça de um cara etc. Conseguiram nos colocar na calçada para não atrapalharmos o transito.
Muito disso é possivel se ver no sitio do CMI. As fotos lá estão com qualidade bem ruim mas os videos valem a conferida.
Uma pena não termos um advogado ali na hora, não haver uma organização por parte dos foliões transformados em manifestantes, por ter também moradores que incitavam a violencia contra a policia (que eles mesmo não têm coragem de fazer no dia- a -dia pela repressão que sofrem. Se aproveitaram da ocasião para desabafar).
Uma advogada foi contactada (o pessoal do CMI tinha costas quentes). O pessoal é levado p/ uma outra delegacia.
Cansado, subo para um banho, como algo, falo um pouco na radio, converso com os outros sobre o que aconteceu. Ouço um beck com um pessoal de BH. Agora é só se preparar para dormir. Amanhã cedo devo partir. Só que o terror não acabou.
Tem dois policiais plantados em frente ao Hotel. Quem sai é parado e tem que responder a perguntas. Ninguém pode dormir no terraço, não sabem se a policia vai invadir o hotel a qualquer momento. O contrato com o hotel vai até essa noite. Os aquipamentos tem que ser lacrados e transportados. Back up geral.
Lá do terraço ainda sou obrigado a assistir à policia bater em duas mulheres que trouxeram num camburão e um cara que estava sentado ali proximo e acabou entrando na dança.
Ainda tenho que catar um quarto para dormir, ajudo a arrumar uns equip no quarto.
Tenho que me acalmar pois não posso fazer mais nada e amanhã bem cedo estou indo embora.
Como pudemos ver não houve bloco. O carnaval, como manifestação popular, livre de repressões sociais e morais definitivamente não aconteceu na rua. No Hotel Bragança tive consciencia do quanto precisamos nos unir os que não concordam com o rumo que as coisas tomam nesse mundo cada vez mais levado pelo capitalismo à sede de poder.
Algumas bandas que assisti nestes três dias: Instinto, Morte Asceta, Operação Comdor, uma de RAP, Confronto, Mordeorabo (adorei essa! lembra bastante Hurtmold).
Em 24-02-04 13:28h / diretamante da sala do CMI no segundo andar do Hotel Bragança na Avenida Paraná n 109 - Centro de Belo Horizonte e; finalizado do trampo no RJ em 08/03/04 às 12:35h
EDP